terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Refletindo sobre o Medo I


A harmonia é o mais frágil tesouro que possuímos, portanto não podemos abrandar a nossa vigilância, pois sem ela, o mal e as trevas se apoderarão facilmente de nossos corações. A ansiedade é a ponte segura para caminharmos em direção ao medo, e este, nos leva à desarmonia certa.

Uma sensação diante de algo que nos ameaça, nos coloca em alerta, e sentimos medo. O medo é um estado de alerta extremamente importante para a sobrevivência humana. Uma pessoa sem medo nenhum pode se expor a situações extremamente perigosas, arriscando a própria vida, sem medir as possíveis consequências trágicas de seus atos. Porém, a maioria dos medos não têm base na realidade.

Apesar de termos uma única certeza na vida, que é o fato de que não vamos durar para sempre, ou seja, iremos nos defrontar com a morte, mais cedo ou mais tarde, não sabemos lidar muito bem com essa informação, e o medo da morte é uma das raízes de vários outros medos. Por termos medo de morrer, desenvolvemos muitos outros medos, como por exemplo, de assalto, de acidente, de bichos, de doenças, do desconhecido, da mudança, porque no fundo, temos medo de que essas situações possam nos levar à morte! Por outro lado, também temos medo de viver, incoerente, não? Porém, se analisarmos nossos medos mais profundos, perceberemos que, ou são baseados no medo da morte, ou no medo de nos soltarmos e sermos livres para viver, pois se assim o fizermos, enfrentaremos vários riscos, que nos levam novamente aos medos: de se arriscar, de se expor, de não ser aceito, de ser criticado, de ser rejeitado, de não ser amado, de ser humilhado, e por aí vai, em uma lista sem fim, mas muito conhecida por todos nós!

Os sentimentos que mais necessitamos compreender para atingirmos a nossa harmonia interior são aqueles que se referem a nós próprios. Precisamos descobrir e entender o que sentimos com relação a nós mesmos, como nos tratamos, como nos respeitamos, como cuidamos de nós, como nos amamos. Infelizmente, a maioria não se conhece, somos estranhos e desconhecidos para nós mesmos. Como podemos estar em harmonia com aquilo que desconhecemos, e, por consequência, não compreendemos? Só a clareza dessa certeza já provoca um profundo medo. Quem sou eu? Temos medo das respostas, e portanto, ficamos reféns das opiniões alheias, que nada mais são, do que julgamentos, e ai que medo, como tememos os julgamentos alheios...

O autoconhecimento é uma viagem fantástica, que nos leva ao conhecimento de nosso Eu Verdadeiro, e é muito gratificante. Porém, seu processo é assustador. Imaginem uma viagem, que vocês definiram como objetivo final, uma linda lagoa azul, deliciosa para se nadar e linda para se observar. Vocês a conheceram por fotos, e por informações de amigos, que lá estiveram. Vocês desejam imensamente conhecer, mas para isso, precisarão se deslocar de seu mundo reconfortante, que lhe é totalmente conhecido. Terão que viajar de avião, mas ai meu Deus, eu tenho medo de avião! Caso superem esse primeiro medo, terão que fazer uma grande caminhada, por trilhas cheias de vegetação cerrada, que, com certeza, tem muitos bichos, entre eles, cobras, muitas cobras, ai meu Deus, eu tenho muito medo de cobras! Suponham que vocês superaram também esse medo, vocês sabem que a lagoa fica no meio de altas e imensas montanhas pedregosas, e que vocês terão que descer por penhascos imensos e escorregadios, ai meu Deus, eu tenho medo de altura, de escorregar, de cair e me machucar, e até posso morrer, ou não conseguir subir depois de volta... Mais alguns medos para serem superados. Se vocês forem muito fortes e corajosos, conseguirão banhar-se na maravilhosa lagoa azul, mas se não... jamais sentirão tal prazer... Pois é, é assim mesmo que acontece com a nossa viagem individual para dentro de nós mesmos... são tantos medos, que desistimos em diversos pontos, diversas vezes, mas se insistirmos e superarmos nossos medos, valerá muito a pena, porque cada um de nós é um ser muito especial e único no Universo, e muito amado por Deus, exatamente como o somos de fato, mas como temos medo de acreditar nisso, perdemos muito tempo, agindo de acordo com padrões culturais, que só nos distanciam, cada vez mais, de nós mesmos...

Precisamos, urgentemente, descobrir o que realmente queremos da vida, e o que, de fato, nos impede de avançarmos em direção aos nossos sonhos mais íntimos de realização e felicidade. Em primeiro lugar, precisamos nos amar e acreditar que somos capazes de sermos amados, pois temos muitas qualidades e temos um imenso desejo em eliminar nossos defeitos. Precisamos nos valorizar, porque o pior medo que possuímos, é o de que as pessoas descubram quão feio e imperfeitos somos, e esse é um sentimento de inferioridade, que nos faz muito mal. Quando nos sentimos inferiores é porque não descobrimos o nosso valor real. Estamos sempre amargurados pelos nossos deslizes e por nossas falhas, não nos preocupando em valorizar nossas qualidades e o nosso progresso constante, pois apesar dos erros que cometemos, também realizamos muitas coisas boas e efetivamos muitas melhoras em nosso espírito, ainda que imperceptível aos olhos alheios, nós conhecemos muito bem, o nosso esforço hercúleo, em mudarmos aspectos que não gostamos em nós. As verdadeiras batalhas são internas, por que buscamos a aprovação externa? Nós mesmos temos que valorizar cada conquista que obtivemos, senão ficará muito mais difícil, continuar a nossa evolução. Por exemplo, quando desejamos mudar um hábito ruim, seja ele qual for, sabemos muito bem, quantas vezes conseguimos fazer diferente, mas por ser um hábito, enraizado em nosso cotidiano, fatalmente iremos cometer deslizes, e esses serão muito visíveis aos olhares externos, mas a nossa luta íntima, as nossas muitas vitórias passarão totalmente despercebidas pelos outros, então por que damos mais importância ao julgamento alheio, do que a nossa própria análise, muito mais fidedigna de nossos progressos? Simplesmente porque estamos muito mais preocupados com os outros, do que conosco mesmo, triste, não?

Infelizmente os julgamentos continuarão acontecendo, pois vivemos num mundo de provas e expiações, em franca transformação, é verdade, mas ainda há um longo caminho a percorrer, logo, convivemos com pessoas que vivem o mesmo sentimento de inferioridade a que estamos presos, além do que, estamos todos conectados e, mais ou menos, nos mesmos níveis de evolução. A diferença entre todos é exatamente o invisível para todos, os conflitos e as batalhas internas, então por que nos preocuparmos com o processo dos outros, mais do que com o nosso próprio, ou o que é pior, nos preocuparmos com os julgamentos dos outros? Não temos poder sobre as outras pessoas, então não conseguimos alterar o que vai na cabeça delas, mas podemos sim, escolher e decidir as nossas ações e atitudes. Posso, por exemplo, escolher entre sentir culpa, ou valorizar meus pequenos grandes esforços. Quando não nos amamos, os julgamentos alheios nos algemam e nos impedem de continuarmos com nossos sonhos, além de exterminar nossas nobres intenções de mudanças.

Não há como evoluirmos e não há como praticarmos nossas pequenas transformações de defeitos para virtudes, sem convivermos com outras pessoas, pois é no convívio que os defeitos surgem, e é no próprio convívio, que fazemos escolhas diferentes e agimos no sentido de nos aperfeiçoarmos. Como não podemos ficar a mercê dos julgamentos alheios, temos que fortalecer nosso amor por nós mesmos, portanto não podemos permitir que os outros ultrapassem os limites da nossa intimidade, já que, somente nós podemos compreender a nossa subjetividade, a nossa complexidade interior. Perceberam a confusão na qual estamos metidos? Por um lado nos sentimos inferiores, e por outro lado, somos rodeados por juízes algozes, é óbvio que o medo se desenvolverá em nossos corações, pois nos sentimos totalmente perdidos e sozinhos, rejeitados e não amados, por isso é imprescindível alterarmos esse cenário, introduzindo muito amor, especialmente por nós mesmos!

Vivemos numa cultura de possessividade e submissão nas relações. Não devolvemos ao outro a responsabilidade de suas escolhas na busca de seus caminhos, quando ele nos pede uma opinião, nós damos! Afinal, nós somos legais! Mais que isso, somos sábios e melhores a ponto de podermos ajudar o próximo, coitado, tão incapaz, somos salvadores e superiores, ilusoriamente, por um período, eliminamos o sentimento de inferioridade, que nos martiriza dolorosamente, nos sentimos fortes e poderosos, enfim, eliminamos nosso medo, ficamos ousados e corajosos! Triste ilusão, pois é muito fácil resolver os problemas alheios, sabemos muito bem, que exatamente os mesmos problemas, quando chegam em nossas próprias vidas, são muito mais complexos, e a solução não aparece mais como simples! Mas a ironia pior vem depois... quando nos arvoramos em assumir o papel de sábios, não podemos errar... ai meu Deus, a cobrança interna fica tão intensa, que acreditamos que o mundo todo está percebendo como somos falhos, e a verdade é que está, pois agora é a vez do outro eliminar o sentimento de inferioridade dele, e ele cai matando em cima da gente, duplamente, pois além dele eliminar o sentimento de inferioridade dele, ele se vinga de você, por tê-lo feito se sentir impotente e inferior, já que se há um superior, o outro tem que assumir o papel de inferior... Está fazendo sentido para vocês? Mas ainda não acabou... quando damos pitaco na vida dos outros, ainda que solicitado por eles mesmos, abrimos espaço e damos liberdade para que o outro faça o mesmo com a gente... ou seja, é um círculo vicioso, muito pernicioso, e seria sem fim, se algumas pessoas não se preocupassem em se amar e em cuidar da sua própria vida, porém, infelizmente, não é o caso da maioria...

A verdade é que devemos buscar as saídas, de toda e qualquer situação, dentro de nós mesmos, e permitir aos outros que façam o mesmo. Vivemos dentro de um padrão de certo e errado, e acreditamos nesses padrões de pensamentos como absolutos, e é aí que nos enganamos com muita frequência, pois o que é certo e o que é errado? Todos nós sabemos muito bem, que esses padrões são mutáveis, na história, na ciência, na moda, na política, na cultura, nas diferentes gerações, eu pergunto, por que eles só são imutáveis em nossos conceitos individuais? No mínimo é uma loucura. O problema é que é muito mais confortável termos respostas prontas para nossas angústias e dúvidas, melhor ainda que a orientação venha de fora, porque assim, nos eximimos de responsabilidade. Na verdade, o julgamento passa a ser um conforto, pois ele é conhecido, então nos adaptamos ao modelo de perfeição, para sermos julgados como bonzinhos, e assim, nos afastamos cada vez mais, de nosso verdadeiro eu... muito trite, não? Deixamos nossos ideais pessoais, nossos sonhos, nossos sentimentos, completamente enterrados dentro de nós, de tal forma, que às vezes, nem conseguimos mais identificar o que de fato desejamos, e tudo isso para nos acomodarmos nos moldes culturais pré-determinados, por puro medo de errar, e de ser rejeitado, e de não ser amado, quando temos o amor mais importante dentro de nós mesmos, o amor de Nosso Pai Maior e o nosso amor próprio. Como os outros estão, mais ou menos, na mesma luta interna, acabamos por ficar solitários e infelizes, segurando um pires, onde possa ser depositado um pouco de amor para nós, e cada vez mais frustrados, por vivermos inseguros e com medo de tudo, sem nem ao menos, detectarmos o por quê, portanto, sem chances de retomar o rumo de nossas vidas.

Liberdade requer autonomia, autonomia requer responsabilidade, e responsabilidade assusta, dá medo. Portanto, queremos ser livres, mas temos medo de o ser, e assim vamos jogando o joguinho do faz de conta, na vã tentativa de evitarmos o medo, e, ironicamente, com medo de sermos descobertos. Vale a pena? Importante refletirmos sobre nossos medos, através dessa ótica, mas existem outros mecanismos, que abordarei no próximo texto.

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